Um sonho de trabalho que virou pesadelo
- Virginia Motta
- 29 de fev. de 2024
- 3 min de leitura

O dia amanheceu mais cinzento, mais uma pessoa teve a saúde mental abalada por conta das políticas e métodos de trabalho desumanizados.
Logo cedo, li a triste notícia de um rapaz, que trabalhava no Mercado Livre, tirou a própria vida depois de ser demitido do emprego dos sonhos. Luiz Felipe cometeu suicídio dentro de um dos centros de distribuição da empresa enquanto todos os outros colaboradores estavam realizando suas atividades.
O que você teria feito nessa situação? Se você fosse o gerente do setor, qual teria sido a sua atitude com os outros funcionários quando desse de cara com a cena de um corpo caído no chão?
De acordo com a matéria do website jornalístico Intercept, que entrevistou dois ex-funcionários que estavam no momento que tudo aconteceu, a Mercado Livre tomou a decisão de cercar a área com uma lona e continuar com as atividades normalmente. A produtividade e entregas rápidas continuaram sem grandes interferências. Alguns colaboradores que ficaram mais afetados com o caso foram dispensados para retornarem às suas casas e se acalmarem. Já aqueles que estavam com o emocional mais equilibrado, continuaram a jornada de trabalho normalmente.
Novamente eu pergunto: o que você faria se fosse a Mercado Livre? Pergunta difícil e contraditória para mim. Penso em respostas tanto como psicóloga, como ser humano e como empresária.
Como psicóloga, especializada em Psicologia Organizacional, considero que o processo de desligamento precisa ser urgentemente revisto. Cabe a nós, profissionais da área, promovermos ações humanizadas e analisar o estado psicológico do colaborador no momento que ele é informado sobre a demissão. Muitos sinais podem ser dados durante este momento.
Como ser humano, fico indignada com esta filosofia de "experiência do cliente" e "posicionamento de mercado" a qualquer custo. Será que as vidas dos colaboradores são menos valiosas do que as dos clientes ou da posição da empresa no mercado? Gostaria de ter encontrado mais informações sobre como a Mercado Livre procedeu com a família e colegas de trabalho deste colaborador. Prefiro não julgar e falar qualquer coisa, sem ter essa informação. Afinal, qualquer posicionamento pode ser leviano neste sentido. Mas me revolta ao ouvir que colocaram uma lona e continuaram trabalhando como se nada tivesse acontecido.
Como empresária, provavelmente, eu teria parado o turno daquela área, acolhido os colaboradores que eram colegas de trabalho do Luiz Felipe e iria remanejar as atividades para que a produção não fosse tão afetada. Prestaria assistência tanto aos familiares do rapaz (mesmo que ele já tivesse assinado a carta de demissão, me sentiria responsável por arcar, minimamente, com as despesas do ocorrido) e pediria para o setor de Pessoas para acompanhar, de perto, todos os colaboradores afetados. Também faria questão de ser a primeira a contar para a sociedade o que aconteceu, lamentar a perda da vida do Luiz Felipe e dizer quais ações estavam sendo tomadas depois desse trágico incidente.
Frente ao que aconteceu, faço um apelo para todos os nossos colegas de RH: Vamos cuidar mais das pessoas e das nossas ações em processos tão complexos como o de um desligamento. Precisamos ter ações e atitudes empáticas, buscando minimizar os danos causados. Eu mesma já passei por várias situações difíceis, mas cada uma me ensinou uma lição para que eu não cometesse os mesmos erros novamente e humanizasse mais os meus processos. Espero que a Mercado Livre tenha dado assistência para a família e colegas de trabalho do Luiz Felipe e que esteja reavaliando os seus processos demissionais.
Este artigo foi escrito em memória e homenagem do Luiz Felipe.
OBS: A reportagem citada neste artigo, trata de suicídio e seguiu o manual da Organização Mundial da Saúde para o tema. Caso, você ou alguém que conheça necessite de suporte sobre o tema, indicamos que entre em contato com a instituição CVV, através do chat ou telefone 188, que possui voluntários disponíveis 24h por dia para oferecer apoio. Conheça também o mapasaudemental.com.br – atendimentos agendados com psicólogos ou psiquiatras, gratuitamente.
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